Em geral, a terra é propriedade dos valentes, dos arrogantes. Os grandes conquistadores usurpam e tornam-se proprietários da terra. Eles sentem uma forte compulsão para provar aos outros que na verdade são fortes. Mas, de que adianta conquistar terra sem gente? Aliás, os que fazem guerra, no final das contas, não herdam nada, só destroços. Qual o proveito de conquistar espaços geográficos se não se conquistou ainda o terreno da própria intimidade pessoal, a tranqüilidade do coração, ou a segurança gerada pela certeza de uma singularidade sanada? De que adianta poder e domínio, se construído sobre coisa alguma? Os valentes, os poderosos e os famosos não podem andar a qualquer hora, em qualquer lugar. Sua liberdade de ir e vir é condicionada a presença de inimigos ou bajuladores. Não conseguem viver publicamente pela ameaça de seus inimigos. Não podem desfrutar da privacidade, por conta da invasão de seus bajuladores.
Mais sábio do que alguém que conquista impérios, palácios, cidades inteiras é aquele que tem o domínio de si mesmo, que sabe gerenciar e desfrutar bem de todas as suas potencialidades humanas. Quem ama a vida, como conseqüência herda o espaço do coração de outros. Para o discípulo, herdar a terra só faz sentido quando essa herança for uma herança de irmãos. Por isso, as chamadas grandes conquistas não interessam aos discípulos. Elas existem como uma forma de espoliação e exploração das pessoas. As grandes potências necessitam provar o poder que possuem. Os representantes da religião - em geral sacerdotes - necessitam provar aos clientes o prestigio que desfrutam diante de suas divindades. Cada ser (des)humano vai alimentando a tentação de provar sua força, poder, prestígio. A falta de mansidão consiste na necessidade fictícia de se provar para os outros que se é melhor ou mais forte. Perdemos a mansidão quando instalamos interiormente o paradigma da vitória a partir da derrota do outro. Quando reduzimos a vida a um quadrado cercado de cordas, em cujo espaço tem-se um único objetivo - destruir o adversário que ainda se põe em pé. Numa luta de boxe, por exemplo, o bom é o cara que bate e derruba o outro. A sua condição de ser aceito pelos torcedores acontece na destruição do adversário. Esse é o paradigma – provar que você é melhor, e o seu próximo é alguém de cara na lona. Por sinal, não se fala em próximo e sim em adversários, concorrentes. Os valentes olham para o mundo como uma arena, um campo de concentração. Os mansos vêem o mundo como um espaço abundante - há lugar para todos. E, todas as realizações essenciais à vida podem ser levadas a cabo.
Jesus nos deu exemplo de mansidão
Jesus podia falar de si mesmo como humilde e manso de coração. Tudo por sua condição anterior de Ser eternamente Ele mesmo: “No princípio era o verbo, o verbo estava com Deus e o verbo era Deus... E o verbo se fez carne e habitou entre nós...”. Era o reconhecimento de sua singularidade que dava a Jesus a condição de ser manso. Ele poderia arrogar-se de ser maior do que os anjos. Ele poderia usar poder para humilhar seus opositores. Mas, para Jesus, vencer significava abrir caminho de vida, inclusive, para seus opositores. Jesus fez milagres extraordinários, falou como nenhum outro, morreu de uma forma extravagante e espetacular. E, mesmo que nada disso tivesse acontecido, ele continuaria sendo Ele mesmo. O que fez, não fez para explicar-se, senão, tão somente para que os demais também aprendessem dele. Sua condição de mansidão o levou a conquistar mais gente do que muitos exércitos poderosos. Mesmo avaliando o cristianismo com todas as suas ambigüidades, e admitindo Jesus Cristo apenas como um personagem histórico, ainda assim, a sua mansidão foi mais eficaz do que a espada e os exércitos dos poderosos e tiranos. Ele tem conquistado o mundo como nenhum outro.
Alguém que para se identificar diz apenas: “Eu sou”; é uma pessoa que tem muita consciência de sua mais profunda essência. Desse modo, não há razão para se impor, manipular ou dominar. Jesus, ao dizer: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida", não está usando de presunção, está apenas afirmando a sua singularidade. Ele mesmo é o caminho, o jeito a ser imitado, o modelo de humildade e mansidão. Seus segidores serão felizes e coletivamente herdarão a terra.
Os mansos vivem na dependência de Deus
Os valentes fazem guerra pelo medo de terem seus espaços ameaçados, ou por acreditarem que somente têm o reconhecimento de outros, quando todos os espaços forem seus. Por causa disso, agridem, atacam, aniquilam, agem independentes de Deus. Vivem sob a síndrome da ameaça e por causa disso atacam; assim, são inspirados pelo medo e não pela coragem.
Já os mansos vivem de tal forma a sua condição de ser, que não sentem necessidade de provar aos outros coisa alguma, nem de competir por aquilo que não “é”, pois, para ser não precisam destruir pessoas. Não estamos falando de passividade. Os mansos são proativos, capazes de lutar, desde que o combate deles tenha como foco: a preservação da vida. Possuem coragem suficiente para confrontar as potestades do mal. Conseguem alimentar indignação contra o mal, e por isso superam, resistem e vencem o mal (Ro 12. 9-21).
Desse modo, a ação do discípulo não depende, em essência, da forma como os outros agem. Não se permite contaminar pelo mau que alguém possa lhe fazer. Para o discípulo, manter a integridade, preservar a dignidade significa conservar seu próprio modo de agir sem se deixar manipular pelo poder do mal. É capaz de sofrer o mal; e sendo portador do bem não se permite manipulado pelo poder que o outro lhe oferece para usar a maldade.
Os mansos não são arrogantes, nem violentos, não aceitam nenhuma espécie de violação contra a vida, ainda que dirigida a seus supostos adversários. Se não sentem necessidade de provar a ninguém coisa alguma, não precisam provar, nem mesmo, que são mansos. Para ser gente, os mansos sabem que a única condição é ser e nada mais. E, para ser, é obvio - não se depende de outros, exceto da própria decisão interior de reconhecer aquilo que se é, na dependência de Deus.
Apogeu da mansidão
A cruz foi para Jesus o último sinal visível de sua mansidão. Exercitar consigo mesmo o poder de não usar a violência: Não pedir fogo do céu, não aceitar a espada como instrumento de vingança. Somente alguém com muita consciência daquilo que realmente É, não sente necessidade de violentar, agredir, não sente necessidade, nem mesmo de explicar-se, apresentar títulos, exibir prestígio. Na cruz Jesus estava exposto à sua única condição de Ser. Nela apagam-se todos os adjetivos. Ele é exclusivamente Ele, e nisto consiste toda a mansidão, bem-aventurança, enfim toda a Sua felicidade. O discípulo é desafiado também a negar-se a si mesmo e tomar a sua cruz. Mas, só nega-se quem é manso, e somente quem tem noção do valor de simplesmente ser, é realmente manso.
Infelizes os valentes, felizes os mansos. Infelizes os que para justificarem o fato de não-ser precisam destruir, agredir, violentar, crucificar; pois pensam que eliminando, o outro não-será mais. Felizes os que não precisam usar de nenhuma forma de violência para continuar vivendo. Felizes aqueles que, dotados da consciência de serem feitos a imagem e semelhança de Deus, desfrutam da mais bela de todas as vocações – ser gente. São felizes por permitirem Deus salvar neles as virtudes. Conseguem confrontar, sem medo, seus inimigos, os tiranos, mas podem, também orar e interceder por eles.
Os discípulos são felizes porque serão chamados filhos de Deus, e como filhos de Deus, desejam que o sol e a chuva venham sobre todos os seres humanos.
Escrito por: Carlos Queiroz
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