quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A Mensagem da Cruz

Achamos que a cruz é a vitória do diabo e que a ressurreição é a vitória de Deus. Não percebemos a mensagem da cruz como espaço da ação de Deus, tanto quanto a ressurreição. A cruz é o sinal da graça, da bondade e do amor de Deus.
Às vezes usamos cruz e ressurreição como coisas opostas. Porém, na cruz há triunfo do amor, da vitória, da não-vingança. Há triunfo do altruísmo de Jesus, há triunfo daquele que não se faz de vítima e acolhe aqueles que estão ao seu redor. Deus não age com base no jeito de ser do outro, mas sim nos atributos e nas virtudes dele mesmo.
Não reprovo que a igreja coloque uma cruz no templo, desde que aquela considere o que esta diz: Levo comigo a possibilidade de morte. O amor é santidade e serviço; não é apenas um sentimento profundo, mas também capacidade de entrega total. A marca da santidade da igreja está na sua capacidade de amar. “Nisto, conhecerão todos que são meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 8.31).
Comunicamos o amor de Deus com palavras e com obras. E o paradigma disso é a graça. Uma diaconia (serviço) fundamentada e inspirada pela graça não alimenta expectativas de troca. Quem ama age por conta dessa fonte inesgotável dentro de si mesmo. Os empobrecidos, espoliados e injustiçados não se tornam devedores dos serviços de misericórdia e justiça realizados pela igreja de Jesus Cristo. Uma diaconia batizada pela graça é um via de realização de mão dupla. Quem tem acesso aos bens necessários à vida socializa, pela graça, esses bens e desfruta, pela mesma graça, dos bens virtuosos dos pobres. Os pobres têm me ajudado a entender melhor os códigos do evangelho. Eles têm tornado mais fácil para eu compreender a manjedoura e por que Jesus entrou em Jerusalém montado num jegue.
A partir dessa prática de serviço do Senhor, podemos pensar em filantropia, na educação, nas associações, nas cooperativas de comércio solidário, na promoção da justiça, na defesa das pessoas à margem da sociedade, na luta contra a exploração sexual infanto-juvenil e o abuso de crianças em suas próprias casas.
Somos uma gota d'água sobre um oceano de        problemas, mas inevitavelmente a base da nossa missão social é o amor. Fomos alcançados pelo amor de Deus, e como refluxo queremos amar uns aos outros. “Mas Deus prova o Seu próprio amor para conosco, em que Cristo Jesus morreu por nós, sendo nós ainda pecadores.” Esse versículo diz respeito ao amor de Deus por nós, mas também é um desdobramento na nossa vida.

Pr. Carlos Queiroz

O resgate da Esperança

Tenho caminhado por muitos lugares e visitado igrejas das mais variadas confissões. E tenho presenciado manifestações inconfundíveis do verdadeiro Evangelho. O Evangelho é, por natureza, de difícil comercialização. Não se consegue vender virtudes; jamais conseguiremos vender o projeto da cruz, ou alienar por determinada quantia o perdão divino. Quem, afinal, pagaria para entregar a face ao perverso?
.Quantas pessoas estariam dispostas a pagar para sofrer por amor a Cristo? Quantos de nós pagaríamos para nos engajar na causas pela justiça? E quantos ricos aceitariam o Evangelho se tivessem que entregar metade dos seus bens aos pobres e ainda pagar, quatro vezes mais, àqueles a quem houvessem defraudado?
Encontro comunidades que vivenciam com profundidade a natureza do Evangelho. Uma delas é a Igreja Batista de Bultris, em Olinda (PE). É uma comunidade de pessoas, em sua maioria, pobres. Por opção, aqueles crentes construíram um templo sem janelas e portas, com o único propósito de servir como espaço de abrigo aos transeuntes sem-teto.
Ali, os empobrecidos do bairro são acolhidos. A congregação participa dos conselhos municipais e possui núcleos para formação de bancos comunitários em parceria com entidades de educação e serviço para empreendedores pobres. A igreja em Bultrins promove anualmente um fórum de prática e reflexão teológica para representantes de várias comunidades cristãs do Nordeste – assim, consegue passar essa visão e influenciar a vida de muitas outras pessoas.
Conheço de perto também a organização Crianças do Brasil para Cristo, o CBC, formada por membros de várias igrejas em Fortaleza (CE). O CBC não recebe apoio de nenhuma instituição internacional.
Todo custo para apoio escolar, alimentação e socialização de crianças e adolescentes através de atividades esportivas e culturais são provenientes de doações individuais e serviços voluntários, beneficiando mais de 300 menores. Vários daqueles jovens ingressaram na universidade; outros abandonaram a violência e retomaram o caminho dos estudos.
Trata-se de pequenas iniciativas? Por certo. Mas, somadas, elas podem nos surpreender por seus resultados. Sem dúvida alguma, os cristãos têm potencial para fazer muito mais. Há ainda muitos recursos sub-utilizados.
Os dados estatísticos nos indicam que a grande massa evangélica brasileira é ainda composta pela soma das pequenas comunidades, e não pelos grupos evidentes na mídia.
Elas estão distribuídas nas periferias urbanas; nas encostas dos morros; nas regiões ribeirinhas; no semi-árido nordestino. São crentes em Jesus que moram à beira do caminho – à margem dos direitos e à beira da miséria; à margem dos hospitais e à beira da morte; à margem das escolas e à beira da ignorância; à margem do trabalho e à beira da fome.
Por outro lado, esta parte do Corpo de Cristo permanece à margem da competitividade, mas diante da solidariedade; à margem da acumulação, mas vizinha da partilha; à margem do lucro, mas próxima da gratuidade; à margem do individualismo, mas de braços abertos para a fraternidade. Eles me ajudam a interpretar e entender a manjedoura, a encarar o sofrimento, a encontrar no calvário sinais de vida e ressurreição.
Eles podem me trazer lembranças das coisas que resgatam a esperança da vida. Deus continua se revelando de maneira estranha e em lugares imprevisíveis – e nós não percebemos.

Pr. Carlos Queiroz